sábado, 21 de dezembro de 2013

Formatura Escolar na Aldeia Indígena. Uma aula de interculturalidade.

Os Apinayé tem em duas de suas aldeias, escolas que atendem o ensino fundamental e médio. A formatura no ensino médio é o primeiro passo para outros ainda maiores para nossos índios. A escola se faz espaço de interculturalidade onde os indígenas podem dar (até certo ponto) as cartas do jogo.
Vídeo com imagens da cerimônia de formatura. 

Do educAÇÃO BR

Na noite de sexta feira do dia 6 de dezembro de 2013, estudantes e professores do curso de ciências sociais da UFT – Tocantinópolis, os antropólogos André Demarchi e Odilon Rodrigues e a doutora Liza Brasílio. Fizeram parte do grupo convidado pela direção e coordenação da escola Tekator do povo Apinayé, para acompanharem a formatura dos estudantes concluintes do ensino médio. 

Para muitos era a primeira vez que pisavam em uma aldeia indígena, para outros a familiarização estava dada. Como toda cerimônia, independente da cultura, naturais são os atrasos e contratempos, o que não diminui a importância do evento e dos participantes, principalmente para os envolvidos diretamente, como os índios formandos e seus familiares.

O espaço escolar estava literalmente lotado, a comunidade da aldeia estava em massa como espectadores, homens, mulheres, idosos, crianças de todas as idades. Pelo que constou, a cerimônia deveria acontecer no centro da aldeia, ao ar livre, como é de costume dos Jês, no entanto a chuva desse dia não permitiu tal localização.

Enquanto a formatura não iniciava, uma trilha sonora com cantos de um coral indígena fazia a ambientação sonora, o espaço da escola, destinado normalmente a uma espécie de refeitório, cadeiras em duas metades, uma para os formandos, outra para os padrinhos e madrinhas.

Um púlpito decorado com folhas, sementes, enfeites naturais, assim como a mesa com frutos, caroços, sementes, folhas, artesanatos e um tecido vermelho, aguardava a presença de convidados importantes na área da educação, representantes da direção escolar como o Júlio Kâmer, o diretor regional da secretaria de educação estadual Dorismar Carvalho, membros da FUNAI, representantes da Universidade Federal do Tocantins como a Drª Liza Brasílio.

Os formandos e seus respectivos padrinhos e madrinhas estavam em uma das salas de aula se preparando para a formatura. As mulheres com suas pinturas corporais assim como os homens, o preto do jenipapo e o vermelho do urucum estavam presentes em traços geométricos ligeiramente assimétricos. As mulheres em maioria não estavam nuas, cobriam os seios com sutiã, algumas mais velhas deixavam os seios amostra, uma peça de palha trançada era usada como saia, algumas também nos homens que padronizadamente usavam shorts com escudos de times de futebol, do Brasil e até de clubes estrangeiros.

Enquanto os formandos se preparavam, muitos dos estudantes aproveitaram para tirar fotos deles, notei que na maioria gostavam dessa exposição, alguns até pediam para que tirassem fotos, sendo notável a timidez de outros diante de estranhos e suas máquinas fotográficas. Mas sem nenhum constrangimento ou algo que se tornasse um conflito ou um choque.

Começa então a formatura, um mestre de cerimônia, professor não indígena, com rosto pintado, com peças e acessórios indígenas fala no microfone os protocolos da cerimônia. Cerca de 15 a 20 pares (formandos e padrinhos) entram um por vez e se separam, cada um para uma das bandas de cadeiras. Após todos os casais entrarem, uma menina entra com um artesanato que continha todos os “canudos”, diplomas da conclusão de cursos que seriam entregues pelos representantes de entidades postos na mesa central, mediante chamadas os formandos recebiam seus diplomas e pousavam para fotos, executadas por máquinas e celulares, tanto de não indígenas como de indígenas.

Houve alguns oradores, um dos professores indígenas dos formandos discursou sobre a importância do fato e a necessidade da continuidade dos estudos, como decisivo para o fortalecimento da cultura Apinayé. Um missionário da Novas Tribos do Brasil discursou com um Apinayé bastante fluente, o diretor regional da SEDUC-TO falou de alguns problemas ocorridos durante este ano letivo e deu como exemplo alguns índios que estavam no percurso acadêmico das universidades, e que os formandos presentes poderiam trilhar o mesmo caminho, assim como completou a representante da UFT que informou a comunidade a presença de estudantes indígenas no campus de Tocantinópolis e respectivas bolsas de auxilio permanência estudantil.

O diretor escolar Júlio Apinayé fez a oratória final, em Apinayé e depois em português, valorizou o evento e os formandos, assim como a cultura e a educação indígena como forma, instrumento político de resistência e consciência étnica do povo Apinayé.

Assim como na abertura cuja canção tinha a palavra Jesus em meio às palavras em Apinayé, o encerramento foi com apresentação de dança e canto indígena feita por professores, formandos, padrinhos e madrinhas. As mulheres em fila e um grupo de homens à frente, liderados por um tocador de maracá e puxador do coro, um cantor que se movimentava ritmicamente para cada uma das extremidades da fila das mulheres a sua frente. Um banquete foi oferecido pela escola aos formandos e familiares que lotaram uma das salas de aula.

A interculturalidade e os esforços de ambos, índios e não índios para a mesma ser uma realidade no evento foram observáveis e nítidos, dentro de um espaço que não é original da cultura indígena, mas encontrando-se cada vez mais na escola, apropriada, feita por índios, a sua identidade e manutenção de suas culturas, um bom instrumento na luta contra o desaparecimento ou esquecimento cultural.

Fica a reflexão sobre tal convivência que nem sempre é harmoniosa nos vários cantos, recantos e regiões do país onde a fricção interétnica é inevitável desde séculos atrás nos tempos coloniais que ainda refletem, assim como os conflitos.

Gamas de preconceito e discriminação, muito mais por parte dos brancos, acostumados a uma história e uma sociedade que é montada ou fabricada por eles mesmos, o colocam em graus hierárquicos bem acima das populações indígenas. Lembrando que o convite para a participação da formatura indígena aos “brancos”, como constantemente foi feito pelos indígenas. Quando será que veremos com mesma ou mínima intensidade o convite inverso?

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