sábado, 20 de dezembro de 2014

O Código Florbela. Dos filhos aos pais!

A Obra
Hoje tirei o dia para fazer faxina, na casa só eu, a mãe, Cora que ainda está na barriga e Florbela estão de férias, na minha espera enquanto ainda não me livro do trabalho. O pai em casa sozinho, caçando tarefas, exercícios de uma personalidade que se organiza na bagunça pessoal. Metódico doméstico, a ordem do dia é varrer, aspirar, arrastar móveis, aproveitar a rara disposição e o fato da grávida não está no recinto e pintar o quarto do bebê que virá em abril e a provisória única pequena exploradora e inquieta da casa não está para atrapalhar. 
 
Eis que no meio da estafante tarefa de pintar as paredes cheias de riscos, rabiscos, formas estranhas e coloridas, ao terminar o quarto da Cora que ainda não nasceu, me deparo com outro desenho, desta vez na sala de jantar. Um Florbelaaaaaa bem alto soa na minha mente carrancuda e ignorante do mundo das crianças que um dia já foi meu e de todos adultos.

Provavelmente, se ela estivesse em casa, reclamaria, seria grosso, mostraria a coisa errada e feia que ela fez com ar educativo e realista de quem sabe o que é certo e errado. Mas a solidão da casa deixa brechas para reflexões, tornando-me um filosofo de fim de semana, me permiti olhar melhor o desenho e iniciei minha aula, com a professora Florbela ausente.
A Autora

O desenho me ensinou primeiramente que é uma dádiva ter crianças em casa, aquela menininha de grafite só está ali por existir outra na casa, de carne e osso, depois, que a matéria do concreto é pobre com apenas a mais cara das tintas e sem as marcas da existência desses pequenos seres encantadores de paredes. Mostrou-me que arte é a atividade que os adultos fazem para voltar a ser crianças, uma aula do que é expressão livre e resistente diante das normas paternais.
Uma verdadeira obra de arte, a qual não apagarei, servirá para mais aulas, revisões, e quem sabe um dia, para ela mesma lembrar-se de sua alma livre de criança, é também um manifesto reflexivo sobre quantos pais e filhos não podem ter a ampla liberdade do amor, fazer da casa um ateliê do mundo melhor, possível ao menos na sala de jantar.

O Código Florbela me levou a verdade da não verdade, de que tudo é tudo e nada ao mesmo tempo, de que estamos sempre sendo, nem fomos, nem seremos, sempre estamos sendo, podemos ser crianças, adultos e velhos ao mesmo tempo, o que importa é viver o que se é, do jeito que é, mas sendo e deixando ser, nós e os outros. Um desenho da vontade de potencia, de uma menina que um dia será uma mulher e eu, um velho avô que tentará em meio a erros e acertos, lembrar desses dias de arte ativamente, sem ressentimentos travadores da boa limpeza da memória que precisa nos deixar ser o que somos no presente atual e em todos ainda pela frente, os que alguns chamam de futuro.

A pequena nietzschiana sem saber me deu uma aula de filosofia prática, sobre o belo que é tudo aquilo que é feito pelo ser em sua essência, sem pretensões, sem idealismos, sem niilismos, apenas a vontade, um lápis, a parede a sua frente, o ato humano cru e fiel a vontade de realidade.


Na volta das férias vamos conversar e filosofar mais sobre sua arte e este texto gravado na nuvem da internet servirá de lousa para quem sabe, o aperfeiçoamento da pequena artista mais tarde, de quanto ela foi responsável pela melhora do pai, doente na falta de mais “amor fati”, preso a casa ideal no mundo platônico e por tabela, uma base para irmã mais nova que ainda está presa no amor amniótico e umbilical da mãe, mas ganhará em meses a oportunidade de se aventurar na imensidão dessa jornada do real, sendo tudo e nada a cada momento. Foi preciso ficar sem elas em casa para aprender tudo isso, resumir que sem suas "danadisses" do jardim feminino, eu nem teria chão e nem teto, nada para chamar de lar. Obrigado a pequena estrela bailarina que diante de um aparente caos de manchas e rabiscos na parede, pode dançar livre, leve e solta pela casa e pelo mundo. (Paráfrase de Nietzsche)