quinta-feira, 17 de maio de 2012

A Cruz da Educação no Brasil. Entre a dominação e a subversão.


Do educAÇÃO BR

Dhiogo Rezende. Professor de História

A educação brasileira tem suas raízes na formação religiosa, todo bom estudante de história sabe que no período colonial a influencia da igreja católica foi fundamental para constituição de um modelo inaugural da nossa estrutura de ensino e aprendizagem. 
Padre Antonio Vieira
Os jesuítas foram nossos primeiros professores a partir de 1549, os indígenas e colonos, os primeiros alunos, termo bem peculiar ao modelo de ensino, aluno que do latim significa “sem luz”, assim o professor (um padre) o iluminava com a tocha da fé. Uma educação religiosa, voltada para os costumes e valores de uma sociedade patriarcal, hierarquizada, escravista, sobretudo católica apostólica romana.

Uma educação imposta a chumbo ou a ferro frio das espadas é marco inicial da nossa “civilização”, dos nossos nativos, a massa vai seguir com essa estrutura educacional até o fim do Brasil colonial e entrará no Brasil independente ainda muito dependente deste modelo civilizador que anulava o crescimento intelectual e critico de uma sociedade que já começara a despertar timidamente seus sentimentos nacionais.

A educação mais formal e culta, de cunho acadêmico pertencia à elite, aos seus filhos que no Brasil tinham ensino diferenciado e que atravessavam o atlântico para se formarem, voltarem e continuarem a dominação, herança de seus pais construida com o suor e sangue de nativos e negros escravos.

Estas raízes da nossa educação, vão influenciar o futuro da nossa sociedade, ainda vivem na atualidade brasileira os prejuízos educacionais decorrentes dessa má formação, está nos nossos índices, no atraso intelectual do nosso povo, na corrupção, nas desigualdades, na alienação e opressão do nosso sistema politico social.

O direito a educação que hoje é quase universal, foi sendo diluído a conta gotas na nossa história, o ensino sempre foi bem distinto e separado, a educação de elite oposta a educação de massa, segundo dados do IBGE, em 1900, o analfabetismo da população brasileira chegava aos 65%. A vinda da família real, a independência com os dois impérios, o processo abolicionista e parte da república não fizeram jus aos avanços sócios educacionais que na teoria estes períodos representavam e poderiam trazer.  

Somente com a revolução de 1930 e o inicio da era Vargas, vamos ter uma legislação mais seria em torno de uma educação para todos os brasileiros, pela primeira vez na constituição de 1934, a educação aparece como dever do estado e da família, a garantia de uma educação popular realmente de qualidade será um sonho, os vícios coloniais, da republica velha e seu coronelismo ainda vão impregnar a sociedade que nunca deixou de ser dividida pelas condições históricas e fatores socioeconômicos.

O populista, além de inaugurar o ministério do trabalho, o fez também na pasta da educação, nos surtos de industrialização a partir de Vargas, teremos um empenho maior na educação profissionalizante, é preciso criar trabalhadores, mas a instrução não poderia ser mais profunda, trabalhadores pensantes não seriam interessantes. Assim seguimos, de Vargas a Juscelino, de Quadros a Jango, com avanços e atrasos, chegamos ao regime militar de 64 e os anos de chumbo tornaram-se responsáveis por colocar mais uma vez nossa educação, o censo critico, o crescimento intelectual e direitos e liberdades constitucionais na cova.

As diretas já e a redemocratização vão representar o renascimento intelectual e politico consciente que fecundou na atuação de jovens estudantes e militantes “vermelhos” que sofreram tortura, foram exilados ou mortos pelo regime de presidentes fardados que criaram um sistema de repressão e de alienação da população, esta que passou a meia luz pelo regime.

Os que ousaram lutar contra o regime não tinham somente os militares como inimigos, tinham no lado oposto a sociedade de formação conformista e alienada, de raízes catequéticas, oprimida pelos atores da elite que escreveram a nossa historia ao seu van gosto. Dentre esses atores, tínhamos mais uma vez na nossa história a cruz que ficará do lado contrário aos ideais carregados pelo pai do cristianismo e filho de Deus.

A igreja católica vai apoiar o regime militar com sua alienação doutrinária e omissão perante a tortura, aos assassinatos, atentados aos direitos humanos fazendo uma refilmagem de uma de suas maiores omissões, o holocausto na segunda guerra, sem contar os pecados do vaticano perante a escravidão e o subjugo de milhões de africanos. 

Mas não teremos somente demônios, anjos aparecem neste cenário, jovens padres de ordens como a dominicana serão exemplos raros de sacerdotes interessados no verdadeiro evangelho que vão unir-se a causa dos oprimidos e vão lutar, participar da "guerrilha" contra o regime servindo a Aliança Libertadora Nacional do famoso lider Carlos Mariguella, exemplos como Frei Tito e Frei Beto, entre outros que também foram vitimas e correram risco de morte por acreditarem que se entregar por uma causa justa era a verdadeira comunhão e missão cristã.
Cartaz do filme que mostra a história de freis dominicanos que lutaram contra ditadura militar.
Ordens renovadas, alas carismáticas, teologias politizadoras e da libertação vão balançar a estrutura da igreja católica que estava às portas do século XXI, o surgimento da Comissão Pastoral da Terra que atuará na defesa dos desterrados e oprimidos pelo latifúndio vai mostrar a boa face da milenar instituição religiosa no seio dos seus fieis na sociedade, principalmente do Brasil rural nas décadas de 70 e 80, época de eclosão de conflitos agrários sangrentos.

Neste contexto surge uma personagem interessante e polemica no interior do Brasil, na fervida região do Bico do Papagaio, antigo norte goiano e estado do Tocantins atualmente. Trata-se da figura do Padre Josimo, negro e de origem pobre que desafiou as rédeas do seu provável destino e juntou a lei de Deus a lei dos homens em busca de justiça real para os homens, mulheres e crianças que aqui padeciam.

Neste caso, a formação não foi a reprodução jesuítica, outros tempos, outros seminários, Josimo estudou filosofia, letras, teve formação para pedagogia, tornou-se padre, tornou-se professor e educador.  Atuava na igreja como padre evangelista e não dissociava a sua função espiritual da politica e social, enfrentou protestos de parte dos fieis ligados aos grandes fazendeiros ou mesmo daqueles que simplesmente não acostumados com pregações carregadas de censo critico e social na igreja, entravam em conflito de entendimento, se aquilo que o padre falava era ou não coisas de Deus.
Padre Josimo, assassinado em Imperatriz do Maranhão em 1986

A igreja sempre foi uma instituição politica, seja em qualquer religião, a sua “casa de fé” é organizada por pessoas e seus interesses coletivos ou individuais, em nome de Deus ou dos homens, doutrina as mentes, molda costumes sociais, é voz forte e atuante no intimo das famílias e da comunidade como um todo, age fortemente até mesmo nas vidas daqueles que nem são seguidores ou fieis. 
Irmã Doroty, assassinada em Aanapú no Pará em 2005
 O Padre Josimo, a Irmã Doroty e outros entes eclesiásticos cometeram o crime de serem agentes políticos dentro do espaço religioso e pagaram com suas vidas, praticaram o que sua igreja institucionalmente sempre fez, só que o problema está em agir politicamente a favor de quem e contra quem. Atuaram em vida assim como seu maior mestre, Jesus Cristo que se levantou contra o poder dominante dos romanos e da alta cúpula do judaísmo, Cristo foi crucificado por subverter o império da exploração e da palavra dos mais fortes sobre o sussurro dos mais fracos.

A religião é necessária ao ser humano assim como a educação, ensina valores, ensina a viver, reflete sobre o certo e o errado, os dois termos se confundem na sua razão e significado, religião e educação coexistem, inexistem separadas. Como tudo na história depende do tempo e espaço, dos atores envolvidos, quem conta e quem ouvi, quem manda e quem obedece, quem tem o poder e as condições de escrever e determinar a própria história e interpretar ao seu sabor os fatos, quem tem o poder da fé, de tê-la e de usa-la, como e para quê usá-la, a religião e a educação são agentes de um relativismo histórico.

Nessa batalha de construção da fé e da razão, há sempre espaço para discursos de alienação e em contrapartida de subversão, de combate do oprimido ao opressor, um jogo eterno com peças de teses e antíteses onde a educação e religião estão sempre do mesmo lado sendo usadas para o bem e para o mal, para serem chaves que abrem ou fecham as portas da controvertida humanidade. 

quarta-feira, 2 de maio de 2012

OS PROFESSORES NO PODER. E O PODER PARA OS PROFESSORES?


Professora e Deputada Federal defende pacto suprapartidário pela Educação.

Deputada Dorinha discursando na Câmara Federal (foto assessoria da deputada)



 
Do educAÇÃO BR

Um professor no poder, pode não significar poder para os professores, podemos dizer que no Brasil é raro a classe docente chegar aos cargos públicos, seja ele legislativo ou executivo. Fato que é o reflexo da nossa educação e da nossa sociedade que não reconhece a importância e não valoriza os seus professores.

Historicamente a nossa sociedade dentro do sistema eleitoral elege os membros da elite, desde os “homens bons” no Brasil colonial, na república as profissões elitistas (advogados, médicos, engenheiros entre outras) são as votáveis, não temos muitos “Lulas” no Brasil, não temos muitos operários não diplomados no poder, no caso dos professores, sua graduação é tida como menor, logo não temos muitos educadores no poder.

O professor participa decisivamente da formação das futuras gerações, na teoria ele é o profissional que sabe muito bem as causas e consequências das mazelas sociais, forma opinião, os demais profissionais, forma o eleitor, forma o eleito. Mas como foi dito, isso fica mais na teoria, na prática o professor brasileiro é mal formado, mal remunerado, o seu trabalho é mais mecânico/comercial do que pedagógico/idealista, resta aos filhos da elite, futuros “doutores”, chegarem a assumir posições de poder público que muitas vezes tornam-se poder particular, este que continuará mantendo a elite no poder.

Vejamos o exemplo da Deputada Federal pelo Tocantins (DEM), Maria Auxiliadora Seabra Rezende, mais conhecida como professora Dorinha, que já foi secretária de educação do seu estado, presidente do CONSED (Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Educação), e recentemente no plenário da Câmara Federal parlamentou de forma critica e harmoniosa com as reais necessidades da educação brasileira.


É preciso entender as dificuldades de um discurso politico virar uma realidade plena no Brasil, principalmente se este for pautado na melhoria da qualidade da nossa educação pública. Entre as várias palavras da Deputada Dorinha, uma frase chama atenção para o que é dito, mas nem sempre pode existir na nossa prática politica. “Precisamos firmar um pacto pela educação brasileira independente de posição partidária”.

Não somente na educação, mas em todos os setores da vida pública, tem que haver por parte dos nossos governantes e demais agentes políticos a prática suprapartidária, as politicas para o país, para a nação, devem sempre estar à cima das politicas ou “jogos” estritamente partidários. 
Deputada  em visita a Buriti do Tocantins fala sobre o suprapartidarismo e pré-candidatura do companheiro de partido e também professor, o Vereador Iranildo que deve concorrer a próxima eleição municipal. (foto de Dhiogo Rezende)


Os partidos são importantes no processo democrático, mas na prática, o atendimento quase que exclusivo dos partidos aos seus próprios interesses macula a razão democrática e trazem diversos ônus na execução de políticas públicas, aquelas que se traduzem nas reais necessidades do povo. A deputada que já foi secretária de educação do Tocantins, amargou péssimos resultados nas avaliações externas como as da Prova Brasil e do ENEM que colocaram o estado nos últimos lugares em desempenho do país, deve ter passado por situações de interferencia partidária ou de grupos regionais nas escolas, por exemplo na questão da escolha de diretores que ainda é feita por indicação e não por seleção ou eleição, práticas não democráticas que muitas vezes prejudica e atrasa o bom andamento do ensino nas instituições.
 Deputada em visita a correligionários e população em Buriti do Tocantins em abril de 2012. (Foto de Dhiogo Rezende)


Já que temos o exemplo da Dorinha, uma professora que já tem história de vida política e pública bem firmada, como será a participação da classe nos processos políticos e como os próprios educadores enxergam a representação de sua classe? É constante ouvir de professores engajados nos sindicatos e outras entidades de cunho político que a maior parte dos docentes não adere a movimentos, não tem participação, não se mobiliza, por falta de vontade, por medo de retaliações dos superiores, dando vistas a uma classe desunida, despolitizada e fraca no sentido de classe profissional.

Assistimos a um filme de uma sociedade com graves problemas sociais, mal formada, despolitizada, com educadores que na teoria poderiam contribuir decisivamente para uma revolução a partir da educação, vemos professores em número muito considerável, são mais de dois milhões no Brasil, mesmo assim é raridade vê-los no poder. Será por falta de interesse politico, por não se juntarem, não se defenderem, não se solidificarem como classe, ou por simplesmente não serem de fato, preparados para tal função?