quinta-feira, 21 de junho de 2012

A aniquilação dos cadernos – A opressão pelas mãos dos oprimidos


RITUAL DOS CADERNOS DESTRUIDOS É PRÁTICA COMUM PARA ESTUDANTES DE VÁRIAS CIDADES BRASILEIRAS.


Frente de escola pública de "algum lugar" do interior do nosso Brasil - Foto: Dhiogo Rezende




Do educAÇÃO BR

Através dos tempos, os humanos construíram tudo que lhes rodeiam, elementos materiais e imateriais são frutos do pensar e fazer, estes que se denominam e constituiem-se na cultura humana. Segundo Edward B. Tylor, a cultura é “aquele todo complexo que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, a lei, os costumes e todos os outros hábitos e aptidões adquiridos pelo homem como membro da sociedade”.

Na observação dos aspectos culturais, além da história, geografia, um ramo de outras ciências da sociedade brotou fortemente durante o século XIX, a antropologia e a sociologia ganharam notoriedade ao pautar como objeto de estudo o comportamento estritamente humano, análises que servem de base para outras áreas como a psicologia e a pedagogia, todas correlacionadas no objetivo de entender a complexidade do “bicho homem” e a sua relação bilateral com o meio natural e social.

A partir da ideia de que só é possível refletir e entender a realidade observando-a e analisando-a, o educAÇÃO BR traz uma matéria sobre comportamento estudantil dos nossos jovens, a “aniquilação dos cadernos” pode ser uma fonte para reafirmação de uma tese que já está até bem batida entre os educadores e estudiosos brasileiros, a de que a nossa educação passa há tempos por uma crise com causas históricas e culturais que deterioram o nosso presente e ameaça o futuro das próximas gerações do nosso país.

Já que temos razões históricas na construção dessa "educação" do nosso povo, não é incompreensível o analfabetismo das gerações anteriores e o funcional das atuais, o fato de que hoje a maioria das nossas crianças frequenta a escola não muda este paradigma, a escola sobre as rédeas governamentais se preocupa mais com números do que com qualidade, pois a nossa formação, desde o modelo jesuíta é segregada, separatista entre a educação de elite e a de massa. O acesso pode ter mudado, mas a qualidade formativa continua a mesma, o que é bom, melhor, é destinado e controlado pela elite que usa seu poder para sua manutenção, esta que implica em sucatear aquilo que está destinado ao "bem público".
Restos de cadernos de anos anteriores em cima de telhado da escola.
Este costume que não é isolado no país, a destruição dos cadernos como comemoração de algo extasiante, uma conquista, o prazer de se livrar daquilo que para nossos estudantes é uma tortura, um terror, a “maldita escola”, o “repugnante conhecimento”. A elite de forma inconsciente ou muito consciente também deve comemorar, devem estourar champanhes pelo mesmo motivo, mas na visão de que a massa, está dominada de tal forma,  que faz direitinho o seu autoflagelo, os opressores dão os chicotes e não precisam se preocupar, a massa se auto chicoteia com paradoxos ares de “liberdade”.   

É de se convir que os nossos meninos e meninos seja qual for o nível econômico e social, não são muito apaixonados pela escola, mas o ato ritualístico da “aniquilação dos cadernos” é que nos traz as devidas distinções. Não vemos esse comportamento grupal, tradicional de destruição de objetos particulares por jovens de escolas particulares de elite, eles demonstram seu alivio de se livrar “momentaneamente” não da escola, mas das aulas, não do conhecimento, mas da rotina desgastante para qualquer ser humano que na escola recebe a devida pressão, carga de responsabilidade sobre os afazeres escolares que constroem o seu ser.

Na escola dos dominados, dos oprimidos, os cadernos destruídos duas vezes por ano a cada fim de semestre, sujando as escolas, as ruas das cidades é só o clímax das várias demonstrações durante o ano letivo que fazem tal escola ser uma instituição de oprimidos que se oprimem de forma autossustentável, uma espécie de “fogo amigo”.

“Alunos” de todos os níveis, inclusive do ensino médio, que recebem livros do governo de todas as disciplinas (livros caros para os cofres públicos) e brigam, reclamam com os professores no levar ou não para as aulas, alegando ser um sacrifício carregá-los, que por não terem o costume de ler, odeiam os professores que passam grandes textos ou provas com duas ou mais páginas, que autoproclamam a extensão das férias por mais dias, não indo para escola em plena retomada das aulas, que torcem e vibram quando um professor falta (mesmo que seja por motivos de doença), que fazem perguntas todos os dias, como qual a disciplina do professor, qual a data, se é ou não é para escrever, que não sabem olhar o índice dos livros e perguntam quais as páginas para estudar para a prova, às vezes no mesmo dia da prova, que não sabem responder perguntas com suas próprias palavras, tendo que sempre recorrer a “copias e colas” dos textos dos livros, quando não dos colegas, que brincam com a merenda a estragando, sem ter a minima sensibilidade para a fome de muitos que são de sua convivência.

Em fim, “estudantes” que não estudam, que até na última série do ensino médio não sabem ler e nem escrever direito, que odeiam os professores que tem domínio do conteúdo, que pressionam por resultados, que fazem cobranças, que ensinam de verdade, estes para eles são os piores professores, os bons são os que não dão aula, os de quadro e giz, estes, é só esperarem tediosamente a aula acabar, um tempo menos agressivo.  Estes são os jovens da massa que vão competir com os da elite nas vagas dos melhores cursos que estão nas universidades públicas através do ENEM, exame que conta com 180 questões, com textos de todas as disciplinas mais uma redação. O sistema é excludente desde sempre, mas não é tão desigual, pois com todas as desgraças, no presente, muito mais do que no passado, a massa tem certo acesso como dito antes, o que falta é o povo eliminar vícios e síndromes da pobreza de mentalidade e criar uma cultura do querer crescer mais e deixar a de querer ser coitadinho.
Lista de livros proibidos pela Igreja Católica na idade média
Fazendo curiosos paralelos com a história, temos os fatos de na idade média a igreja católica ter criado uma lista proibida de livros, o Index Librorum Prohibitorum e no século XX os nazistas organizarem uma grande queima de livros, também proibidos, em Berlim no ano de 1933. Livros, pensamentos de pessoas perigosas para manutenção dos poderes desses dominantes, subversivos a estes regimes opressores. Fatos que mostram que em algumas vezes os dominantes tiveram que sujar as mãos, cometeram tais atos para por seus planos de dominação em prática, o que nos leva a pensar que os nossos dominantes aqui, não precisam se esforçar para manter a massa no seu devido lugar, não precisam acender fogueiras e destruir as armas do povo, aqui os dominados fazem o favor de tirarem de seus carrascos este trabalho.
Queima de livros em Berlim na Alemanha Nazista
Assim, através deste ritual, podemos mensurar o nível de alienação dos nossos jovens, de falta de critica, de percepção da sua própria existência oprimida visivel na relação entre os cadernos de matérias que custam R$ 15,00 em média e famílias que às vezes passam necessidades ou dependem de bolsas do governo, pois só se conserva de forma consciente aquilo que tem algum valor significativo para o individuo, os cadernos são apenas o símbolo, o brasão que representa aquilo que eles odeiam, a escola, o conhecimento, contraditoriamente a oportunidade de eles crescerem.
 Música - O Caderno. Toquinho.

Para os que ainda creem na única mudança justa e possível para o crescimento real do nosso país, não somente o temporário elevar da nossa economia, mas o que seja traduzido na verdadeira ascensão que somente será feita pela via da educação, fica a reflexão sobre este rito dos nossos estudantes e uma esperança que deve casar de vez com a prática, para que um dia os cadernos, a escola, o conhecimento do nosso povo, sejam guardados com devido valor, e que um pedido ecoe nas nossas consciências, como aquele da música do caderno de Toquinho, que diz - “não me esqueça num canto qualquer...”.

  

domingo, 10 de junho de 2012

A educação frente a conjuntura neoliberal



"a maturação ou não do processo educador será a chave que tanto abrirá como fechará portas dentro do desenvolvimento da humanidade.


A construção do pensamento através dos tempos definiu no nosso presente, caminhos e barreiras para posteridade, deixando a compreensão do futuro como a imagem refletida das mudanças paradigmáticas efetivadas na atualidade. A educação surge como, ou deve ser o núcleo agente das proposições que alteram as concepções na transição dos paradigmas tradicionais para os emergentes.

O paradigma tradicional se constitui no conjunto de concepções e práticas relativas ao modo de vida e produção da humanidade fundada na divisão social, edificando um sistema imperativo das desigualdades geradas pela exploração do capital, contrapondo este paradigma, surgem através do conflito natural e ideológico, concepções que tentam fazer correções através do entendimento da realidade construída para que essa sucumba diante de um mundo ideal formado no paradigma dito emergente.

As mudanças politicas, sociais, econômicas e culturais refletem nas práticas educacionais, o paradigma dominante passa por um processo de transição e de resistência na sua substituição pelo paradigma emergente em função de mudanças no contexto politico que agem de forma central na educação. Novas medidas precisam ser tomadas para que a educação não seja definida ao van gosto de um projeto neoliberal que inviabilize as necessárias transformações paradigmáticas emergentes.

Neste contexto neoliberal, o professor é vitima, mas também algoz, quando na posição de opressor, o educador pode não ter essa estirpe de forma consciente e assim, ser uma espécie de vitima produtora de outras vitimas. O educador dentro deste processo acaba sendo colocado como um missionário e não como um mero profissional, se tornando um alvo e ao mesmo tempo a flecha deste sistema de opressão. 

Observamos assim que as amarras do crescimento para um mundo ideal, pensado pelos subversivos a este sistema, existem e ainda são muito fortes e lutam obstinadamente contra as forças opositoras, essas que devem ou deveriam compor o papel do educador e principalmente dos gestores da educação, estes que na teoria e prática podem se agigantar frente às leis do mercado liberal nos trazendo o exemplo prático das tentativas fracassadas das ideologias comunistas e práticas socialistas que mais teceram um sonho do que uma realidade.

As mudanças aconteceram, mas o educador teve suas ferramentas travadas de tal forma que a escola não conseguiu desempenhar o papel de agente transformador da sociedade. Cursos são oferecidos, mas sobre as rédeas do poder político de modo tal que estes cursos não causam ascensão econômica.

Este tipo de atitude fez com que o ofício de professor não fosse nada convidativo devido a uma série de dificuldades que com o sistema neoliberal apenas se multiplicaram, e o professor, que na lógica devia exercer tantas outras funções (conselheiro, sacerdote, psicólogo), fica sendo apenas um cumpridor de expediente que se esforça por cumprir seu conteúdo programático. 

Após o fim da bipolarização, causado pela falta de maturidade e respeito à própria ideologia de “esquerda” como também pelos golpes deferidos pela “direita” na guerra fria, a nova ordem mundial agrediu quase mortalmente a utopia e os educadores que passaram pela crise como elementos que já compunham e ensaiavam a atualidade que passa por diversas dificuldades primeiramente de entendimento e compreensão dos graus de opressão e depois as deficiências de análise e efetiva posição critica pela indignação que possa gerar mudanças na ponte dos paradigmas tradicional e emergente. 

No contexto do neoliberalismo, podemos observar uma divisão entre os educadores no sistema público de ensino: escolas para formar mão-de-obra qualificada, como por exemplo, os colégios técnicos e militares, nos quais o profissional dentro da sua carga horária tem mais tempo para planejar suas aulas e se dedicar a pesquisa. Enquanto na educação básica regular os profissionais tem uma carga horária excessiva, além de uma considerável desvantagem na questão salarial.
Portanto as escolas públicas são divididas em escolas para formar mão de obra qualificada e mão de obra barata.

Dentro do que foi apresentado, percebe-se que para se estruturar realmente uma postura significativa e de resultados consistentes, o educador/gestor deve se perceber como agente transformador, e assim, poderá fugir da realidade apresentada pelo universo pontuado pela conjuntura neoliberal, e está realmente, mesmo que ainda incerto o seu papel na construção ou mesmo de conciliador de uma sociedade pautada nos novos paradigmas que se configuram nas expectativas do melhor mundo possível. 

Não podemos, no entanto, ver os novos paradigmas (emergentes), como única possibilidade, ou mesmo como livres dos velhos vícios que se perpetuam com outras configurações. Assim a educação e seus agentes por definição são elementos indispensáveis no estudo e na teorização que baseiam a formação de novas concepções, a maturação ou não do processo educador será a chave que tanto abrirá como fechará portas dentro do desenvolvimento da humanidade.  

Autores: 
Antônio Jadson Gomes, Antônio Valdemari, Dhiogo Rezende, Jorge Kitchell Pinheiro e Moisés Carvalho Costa.