segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Jovens do Brasil, ainda distantes do ENEM e do Ensino Superior.

“Aquilo que o ENEM e o Brasil lhes pedem, não é o que a educação lhes dá.”



Cartaz de divulgação do ENEM no Colégio Estadual Buriti. Foto: Dhiogo Rezende
 
Do educAÇÃO BR.

O Exame Nacional do Ensino Médio surgiu no governo Lula como um instrumento inovador de avaliação e aos poucos foi sendo incorporado como uma forma padrão de ingresso nas universidades públicas e até nas particulares ligadas a outro projeto de inclusão ao ensino superior, o PROUNI.
As falhas de segurança do exame, ocorridas nos últimos anos, fizeram com que algumas universidades tradicionais quanto ao ingresso e seleção de seus estudantes, como a USP ainda resistam a adotar oficialmente o ENEM como processo seletivo. Contudo, depois dos vendavais na credibilidade do exame e da condução do Ministério da Educação, o ENEM resistiu e continua vivo e neste ano de 2011 se apresenta aos jovens que cursam os 3ª anos de todo o Brasil como um passaporte para a realização dos sonhos de fazer uma faculdade.
Mesmo com inúmeras criticas aos modelos de prova, as questões buscam habilidades e competências alinhadas ao perfil mais moderno e atualizado de um estudante concluinte do ensino médio. As duas provas realizadas em dois dias, somando 180 questões e uma redação cobram muita interpretação e analise de texto em todas as áreas do conhecimento, as questões trazem para o estudante níveis diferentes de complexidade, exigindo reflexão, criticidade dos conteúdos vistos nos programas do ensino médio.
As provas exigem do estudante uma formação técnica para o mercado de trabalho associada a uma visão humana, critico-social do mundo, seus diversos aspectos e relações. As questões se distanciam dos moldes ultrapassados de perguntas meramente objetivas e técnicas que incitam o aprendizado “decoreba”, de modo que seleciona os estudantes que estão concluindo o ensino básico com uma compreensão mais plena, significando os conteúdos a suas vidas, a realidade, ao mundo em que estão inseridos. Resumindo, nas 180 questões e redação do exame, ou estudante sabe ou não sabe.
Infelizmente no Brasil, o que se pede aos estudantes, não é o que se dá, principalmente para aqueles que estudam nas escolas públicas, mais ainda para os que estudam em regiões afastadas dos grandes centros. O sistema educacional do país é muito defasado e em muitos casos nega a estrutura para uma formação intelectual congruente com os níveis cobrados no ENEM e na própria vida social “capitalista”.
O ENEM inova na avaliação dos estudantes, mas mantém-se como um sistema excludente imitando o irmão mais velho e ultrapassado, o vestibular. Continua o sistema de seleção que privilegia as elites que podem executar com dinheiro o direito constitucional de um estudo de qualidade para seus herdeiros, enquanto os economicamente prejudicados da nação, famílias parentadas da classe média baixa e da pobreza assistida pelo Bolsa Família matriculam seus filhos no ensino público, onde ainda a cultura do saber, do conhecimento não é fornecida, nem pode ser compreendida como um direito e muito menos praticada com qualidade, tudo isto acompanhado das propositais irregularidades e “des-controles” com a educação pública por parte dos governos nos três níveis do poder público.
Mesmo com as inúmeras propagandas de extensão universitária e melhorias do ensino básico anunciadas pelos governos Lula-Dilma e executivos de muitos estados, fazer uma faculdade, pode continuar sendo apenas mais um sonho para muitos estudantes do país e do norte do Tocantins por exemplo. Uma região conhecida como Bico do Papagaio, cercada de belezas naturais, mas que apresenta índices alarmantes de desenvolvimento humano.
No Bico, as dificuldades já começam pela inexistência de universidades públicas na região, até as privadas são escassas, de forma que os poucos jovens, que primeiro se interessam e depois conseguem índices no ENEM, terão que ter toda uma logística e estrutura financeira para cursarem a faculdade em outros estados ou a 600, 700 km na capital, Palmas.
A região que na época da criação do estado em 1988 tinha mais de 50% de analfabetismo, fato que somado a baixa cobertura escolar e baixos índices de desenvolvimento humano, entre outros, formou uma barreira para educação e consequente aprendizado de qualidade da geração pioneira do antigo norte goiano. 23 anos depois, houve melhorias estruturais e sociais, mas os jovens dos pequenos municípios do Bico do Papagaio herdaram um distanciamento e desnivelamento para uma cultura do saber. Para muitos, a escola básica é um castigo forçado pelos pais que por fatores culturais e sociais pensam que a educação é dever exclusivo do estado, não participando da vida escolar dos filhos.
Exceto as comunidades rurais que tem suas dificuldades de aprendizado e estabelecimento de uma cultura escolar mais ligada a fatores do trabalho agrícola, nasce nos perímetros urbanos uma cultura do ócio juvenil, onde o cotidiano que poderia ser produtivo com as atividades escolares é substituído por um vazio intelectual ou cultura de massa em festas de sexta a domingo.
Os professores com ensino superior, especializados por área/disciplina são geralmente de outros estados, enquanto a maior parte dos educadores da região fez o magistério (normal-médio) com ensino a distancia. Na rede estadual os professores locais em sua maioria não são concursados, pois as vagas dos certames costumam ser ocupadas por candidatos de fora, que muitas vezes migram para outras cidades e escolas por não adaptação ou por motivos de melhoria profissional, juntamente a instabilidade dos contratados por questões politicas, aumentam o fluxo (vai e vem) ou a falta de docentes, o que é mais um ponto negativo para o ensino e aprendizagem.
Apesar das adversidades é possível observar pontos de luzes no fim do túnel, um desses pontos luminosos são alguns estudantes que mesmo inseridos em um meio social cercados de elementos de uma cultura torta ou desalinhada dos caminhos da educação de qualidade, acreditam na sua capacidade e continuam querendo e fazendo para chegarem lá. Em Buriti do Tocantins que tem cerca de nove mil habitantes e três unidades da rede pública oferecendo o ensino médio, teve em 2010 no maior colégio do município apenas 16 inscritos no ENEM, ainda no ano passado, o caçula dos estados ficou em ultimo lugar no Exame Nacional juntamente com o seu fronteiriço irmão Maranhão.
Procuramos alguns estudantes do 3ª ano do Colégio Estadual Buriti que estão às vésperas do ENEM 2011 em outubro. Eles contaram para o educAÇÃO BR as dificuldades e suas aspirações de futuro.

Samara Lorranny (17), Wandson Pereira (18) e Sinara Bonilha (17) Foto: Dhiogo Rezende. 


Os três estudantes do ensino médio disseram que a estrutura do colégio é boa e que existem bons professores, mas que algumas aulas não são bem aproveitadas por conta da bagunça, falta de atenção, falta de respeito e desinteresse das turmas pelas disciplinas e seus docentes, e também pela falta de inovação e até dominio de conteúdo nas aulas de alguns professores. "Quem tem mais interesse, nas salas fica prejudicado". Fatos que às vezes lhes causam desmotivação, sentimento que eles também observam nos educadores.
Percebo que o nível das aulas e das provas tem que ser maior, mas não é assim por não acompanhar o nível das turmas, vemos muita aprovação aqui, mas é o contrario do que acontece no ENEM. Afirmou Sinara.
Ainda mais desmotivador para eles é a falta do poder público na oferta de cursos e até postos de trabalho na região. Desanima saber que as provas são difíceis, a competição é grande e que existe gente melhor preparada em cidades maiores, e que se conseguirmos um bom resultado no ENEM, teremos que deixar a cidade, a família, os amigos para fazer algum curso bem distante. Disseram os estudantes.   




     

7 comentários:

  1. Lamentável saber que os horizontes pra nossos alunos não é o mais favorável.

    Por outro lado, a ideologia capitalista está tão arraigada que a maioria dos alunos não percebe que essa é uma situação de desigualdade e injustiça.

    A maioria considera que a desigualdade é natural e que todos têm as mesmas oportunidades - dizem isso referindo-se ao prouni, enem ou amigos da família que conseguiram se formar em medicina, por exemplo.

    Eu lhes disse que enquanto muitas escolas privadas já estão com seus alunos concludentes do ensino médio com os dois pés na USP ou noutro bom celeiro de intelectuais/profissionais, os da escola pública precisarão apelar pra o enem ou um esforço sobrehumano de enfrentamento das disparidades.

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  2. Que a educação pública de nosso país, e de uma forma acentuada em nossa região (Bico do Papagaio), nunca teve um nível significativo não é novidade. Mas quando essa mesma informação passa a fazer sentido àqueles que de fato são "protagonistas" desta triste realidade, é que nasce um novo horizonte para o Brasil e, digo com muito orgulho, para nosso querido Bico.

    Quando nossos jovens passam a ver a educação como de fato deve ser vista; como um vetor de transformações, como um direito inalienável, como um passaporte para a real liberdade social, enfim, como EDUCAÇÃO, é que a semente de uma sociedade mais junta brota.

    Educação superior, infelizmente, ainda é um sonho para a grande maioria de nosso jovens, e até pouco tempo para mim também, mais por experiência própria posso acreditar que essa "idade das trevas" está chegando ao fim. Em um futuro não muito distante as portas das universidades públicas estarão, creio eu, abertas de uma forma definitiva para todos. Mais o que realmente importa agora é saber: O jovem, que vem da rede pública, vai está preparado para a universidade?

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  3. Não existe falácia maior do que a famosa “ todos são iguais perante a lei”.Como foi dito na materia, no texto, não há em nossos jovens e por que não dizer, em nosso povo, uma cultura de valorização do estudo, do conhecimento, da intelectualização do ser. É incomum em nossa realidade apontar pessoas que venceram na vida graças aos aos seus esforços enquanto estudante, os melhores cargos são ocupados por profissionais de outras regiões ou por amigos dos governantes que, nesse caso, não olham muito para a qualificação tecnica do profissional. As escolas públicas, notadamente as nossas do extremo bico, atendem uma clientela que além de apresentar os problemas universais do País, muitos não tem o que comer, a não ser a merenda quando tem na escola, o que certamente dificulta no processo de aprendizagem. Há ainda a visão de muitos: professores, alunos, pais, e principalmente o governo que, acreditando não haver solução, que não tem jeito mesmo, que há na verdade uma enganação do processo de ensino aprendizagem: ( há ainda os guerreiros que não entregaram os pontos e combatem esse sistema falacioso),não se cobra tanto dos alunos pois acham que não vão dar conta mesmo, passam provas fáceis uma, duas, trez vezes para ver se o aluno tira uma nota, quando não tira passa um trabalho que não presisará ser lido, é só mesmo pra justificar a nota, que não pode ser inferior à media, pois ele não pode reprovar quase todo mundo, se não vai refletir na avaliação de desempenho do professos e vão apontá-lo como principal culpado dessa situação... enfim. Os altos ídices de aprovação nas escolas estão constatemente sendo confrontados com os resultados desatrosos nas avaliações como ENEM, IDEB, SALTO . (....) mais do que adestrar nossos alunos para que se saiam bem nessas avaliações devemos educar verdadeiramente e creio que o primeiro passo é mostra a realidade. As escolas devem mostrar e o governo deve aceitar que nossos alunos não estão aprendendo, estão passando de ano, mas não estão apredendo e por tanto não se motivam para se iscreverem no ENEM por exemplo.

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  4. A educação nos grandes centros urbanos - e nas regiões mais desenvolvidas do Brasil -, leva para as salas de aulas muito da realidade vivida pelos estudantes - estão em seu próprio terreno. Assim, os conteúdos são mais facilmente assimilados, pois já fazem parte do cotidiano e do contexto em que os alunos estão inseridos. Podemos dizer o mesmo em relação aos alunos das regiões mais pobres e afastadas como a nossa?
    As questões apresentadas para esses alunos, apresentam dificuldades adicionais àquelas que normalmente poderiam enfrentar no processo de aprendizagem: Alem de lidarem com conceitos referentes a uma realidade distante, têm que vencer enormes barreiras socioculturais.
    O Mestre Paulo Freire diz: " É preciso que a educação esteja em seu conteúdo, em seus programas e em seus métodos adaptada ao fim que se persegue: permitir ao homem chagar a ser sujeito, construir-se como pessoa, transformar o mundo, estabelecer com outros homens relações de reciprocidade, fazer a cultura e a história".
    Aquí está um ponto crucial nesssa questão: os fins a serem alcançados por quem vive a realidade de estudante por aqui, parece propor que o aluno esqueça o sujeito que é; procure fazer-se outra passoa; colabore na construção de um mundo onde ele será sempre um estranho; aceite uma condição de dependencia crônica e rejeite sua cultura e sua história.

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  5. Some a essa desestrutura inúmeros governantes que brincam de governar, não cumprindo compromissos firmados com seus eleitores. Além do mais, ainda empurram goela abaixo péssimas condições de trabalho aos profissionais da educação, como que estamos vendo atualmente no estado. Infelizmente a perspectiva não é das melhores e não será por um longo tempo.

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  6. Desculpe, professor!
    Esqueci de apontar a fonte da referência a Paulo Freire.
    EDUCAÇÃO AMBIENTAL, VOLUME I - CONSTRUÇÃO DA PROPOSTA PEDAGÓGICA. EDITORA GLOBO / EMBRAPA.
    Abração, Dhiogo! Ótimo texto!

    Aos professores, em cujos ombros recai grande parte do fardo que é conduzir esses jovens nessa fase delicada de suas vidas, cabe tomar iniciativas - a exemplo do que é feito neste blog - , seja denunciando, seja sugerindo mudanças nas políticas públicas para a educação (tambem).

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  7. O educAÇÃO BR agradece todos o comentários, a favor ou contra, toda critica é bem vinda. Continuem visitando o blog e querendo contribuir com textos, matériias ou sugestões de matérias entrem em contato. Obrigado pela colaboração.

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