Professor atingido no olho pela PM do Paraná em greve da categoria. 2015.
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Chamo de código certos adjetivos, imagens, figurações, termos que são sacados por classes e grupos em disputa. Em tempos bélicos no cenário político atual, estamos cotidianamente no tiroteio polarizado e maniqueísta, entre "petralhas" e "coxinhas", como em toda boa dicotomia, um existe em função do outro, um é o que o outro não é, diferenças que são produzidas nas relações de poder, entre os diferentes.
As ideologias reinam e a realidade assiste os adjetivos e todo o sistema simbólico que eles carregam, que divididos recaem sobre as devidas partes. Essa díade, "petralha e coxinha", retroalimentada por outra, "esquerda e direita", tão fugidia de coerências, se faz prejuízo geral. Pois não vejo vantagens do ponto de vista político, de discussão de um país que se queira melhor, quando este é inconsistentemente loteado entre "pobres" e "ricos", "bandidos e heróis", "intelectuais e analfabetos", "São Paulo e Nordeste", Cuba e Brasil (para gosto do Tio Sam ou de Simon Bolívar).
Tudo isso soa muito falso, nada pode ser só cara ou coroa, somos ingênuos de acreditar que bandidos e heróis estão usando cores, fantasias que os distinguem como nos filmes? Inclusive a ponto de assistirmos bandidos virando heróis e heróis virando bandidos, a Liga da Justiça louca para lançar um dos seus como candidato em 2018. Um Brasil real se esconde atrás de tudo isso, ao mesmo tempo que se mostra pobre no grau de politização da população.
Acredite, a grande mídia, de acordo com seus interesses, não pega nessa pena (teclado) sozinha. Nós, usuários de face e whats app, por vezes atuamos nesse jogo, sem querer querendo, ou não. Nas redes sociais vemos todos os dias os times entrarem em campo, apoiado por torcidas inflamadas. Os pobres usam vermelho e a direita veste Prada? O universo é tão aristotélico assim, cada coisa em cada lugar e assim sempre será?
Evidente que podemos enxergar maiorias, minorias, pois elas são reais, os pobres e ricos existem e convivem, há dominantes e dominados. A questão é se vão se matar ou não, nas ruas por conta desse filme em cartaz, estrelando os de sempre, governo e oposição, eleição após eleição. Não que não haja luta, mas briga boa numa democracia, é a que até os feridos no final saem ganhando, e embora de lados opostos, os diferentes saibam pelo quê estão lutando.
De todos os códigos, penso que um é derradeiro, profundo e visceral, para entendermos essa crise toda, é o código "professorzinho de bosta", não tô falando da crise política ou econômica, refiro-me a mãe delas, de todas elas. Nossa crise na educação, formal e informal, de berço ao túmulo, da escola, de casa, da rua. Professor sempre foi tratado e será por muito tempo lixo, a profissão que só abraça quem tem vocação, um sacerdócio, nada mais neutralizador da profissão de professor e seu papel estratégico na sociedade.
Impera a noção de quem tem juízo e dinheiro, vai ser outra coisa. Ai temos uma concordância entre os belicosos que iniciei o texto, tanto pobres como ricos (acho que mais os últimos) tratam mal ou desqualificam o professor, não querem que seus filhos sejam um. A elite produz esse código, os pobres acatam o "ser professor, Deus me livre". Acho que os chamam de "mestres" como forma de desconto, de pena, mestre não sendo título, mas um apelido carinhoso para os que levam surra quase todo dia nas salas de aula. Uma compensação no ego massacrado.
O "professorzinho" logo é sacado nos conflitos da escola, quantos alunos assim já se dirigiram? Vindo de estudantes da elite ou não, de instituição pública ou particular, tal tratamento é assumido como código, que evidente, não parte só de alunos, mas dos pais, dos diretores, dos políticos, gestores, mesmo que estes não verbalizem, eles gritam "bostinhas" com suas politicas públicas para o setor, ou na verdade, a ausência ou o desmonte delas. Então, esse é o código mor dos demais, cria-se até a polarização: professores X profissão/trabalho, pois acredite, tem gente que pergunta: - Vem cá, além de dar aulas, tu trabalha de quê mesmo?
A hierarquia é institucional na educação e na nossa sociedade capitalista, individualista, homogeneizadora e classificadora, por isso as díades e polarizações, somos binários. O professor que não quer ser assim pra sempre, um subalterno do sistema educacional, faz mestrado e doutorado, quer sair do reino dos "bostinhas" (educação básica pública ou privada) e ir para o ensino superior, um céu de várias nuvens também, e como sabemos, na vaidade da academia, não existe limites. Mas fora desse céu, haverá sempre um "doutor sem doutorado" (advogado, médico, empresário, político) para lembrar que mesmo com pós-doutorado, ele ainda é e será sempre um mero professor, para esta elite o doutor professor é "grande bosta".
Por essa crise mãe, nossas redundantes crises filhas. Apesar do "choro", não faço o texto como vitimização ou para estimular outro código, o de "vira latas", um coitadismo relativista que nada altera. Pelo contrário, trata-se de sairmos desse lugar de espera por mudanças, de passividade, os professores tem que mostrar para a sociedade o contrário desse "normal" que se impõe, são eles que trabalham com isso, com formação de opinião, mostrando o cardápio para os alunos que veem tv, navegam na internet e assim saibam que não existe apenas "mortadelas e coxinhas", possam entender minimamente como essas oposições são construídas, incluindo esta a respeito do professor.
Professor analfabeto político é um ultraje, os bons professores tem que estimular os colegas desanimados, participar da vida escolar e sindical, pressionar nas reformulações curriculares e políticas na área da educação, da formação docente, afim de diminuir em boa parte, os colegas que se rendem ao sistema que lhes pressiona desde a formação, aliás, desde a escolha universitária pela licenciatura, as vezes, a opção de curso possível em certas faculdades, situadas em realidades mais carentes, fazendo desta graduação inferior, menos requisitada, lugar dos piores alunos no ensino básico. Uma formação superior que capenga, juntando com falta de vocação, pode gerar ai sim, professores que não querem ensinar e são usados para justificar o código "professorzinho".
A revolução que não será televisionada, parece que também não virá pelo voto em um santo popular neste sistema arcaico e fantasiado de novo por publicitários nas campanhas. A única revolução possível e não tão utópica assim, virá das salas de aulas e não somente dos professores, mas de todos que aprendem em comunhão como disse Paulo Freire. Essa importância da educação já é sabida, até pelos políticos que nas campanhas prometem melhorias que nunca se concretizam nesta área, falta cobrança veemente e certeira de uma população que no processo solidário de pedagogia da autonomia, cobre o que passa a ser essencial e óbvio, educação de qualidade para todos.
Se revolução é mudança, transformação, desorganização para organizar, educação é a chave certa, é virando ela que tudo começará a mudar, o sistema politico, os eleitores, candidatos, os jornalistas e donos das mídias, os conteúdos nas redes sociais... Mais crédito aos professores, que bons profissionais, sabendo de tudo isso, continuam nesse caminho árduo da educação brasileira, entendendo que o "bostinha" e o "professorzinho", são efeitos colaterais da crise que por séculos, recoloniza o Brasil, e eles são parte essencial da engrenagem da mudança.